O que começa na infância não fica só na infância
O que minha filha de 5 anos me disse me fez pensar na série Adolescência e no que construímos desde primeira infância.
Alice estava ansiosa para o show e é muito raro vê-la ansiosa. Mas dava para perceber que era uma ansiedade boa, de quem estava há muito tempo esperando por aquele momento. Ela faz aulas de teatro todos os sábados e já estava há meses ensaiando para o show que acontece só uma vez ao ano. Para uma criança de 5 anos, meses podem parecer uma eternidade.
Fomos assistir ao espetáculo animados, eu, o pai dela e a irmã de 2 anos. Quando ela apareceu no palco, que já tinha dezenas de crianças, dava para ver os olhinhos nos procurando na plateia, que também não era pequena. Eu fico impressionada com a qualidade e produção do show, mesmo no teatro da escola. Depois de nos avistar e acenar, vi uma menina focada, completando suas execuções com confiança e alegria. Fiquei feliz e orgulhosa por ela, eu sei o quanto ela ama um palco.
Mais tarde naquele dia eu perguntei como tinha sido o dia dela, que ficou do meio-dia ao final da tarde envolvida. Ela disse que tinha sido muito bom. Perguntei qual tinha sido a parte favorita do dia dela: “quando eu vi você na plateia". Dentre tudo o que ela ama e que está envolvido em fazer um show desses, me ver assistindo para ela vale mais do que todo o resto.
Lógico que fiquei emocionada com a resposta dela. Tudo bem que a segunda coisa que ela mais gostou foi comer enquanto assistia TV atrás do palco quando não era a hora dela, mas vamos fingir que não temos essa informação para não perder todo brilho da história. E além da emoção, me fez lembrar da importância da nossa conexão com nossos filhos e de prestarmos atenção neles. De enxergar e escutá-los de verdade. Não só num momento importante para eles como em uma apresentação, mas nos simples e repetitivos momentos do cotidiano.
Tão fácil nos enfiarmos no celular, nos distrairmos com a vida e irmos deixando passar as pequenas grandes conquistas, os pequenos momentos diários, que podem nos soar simplórios, mas que para a criança pode significar o mundo. Ali ela começa a sentir que é importante e a construir sua autoestima. Ela tem a oportunidade de sentir que alguém a escuta, que ela merece ser vista e ouvida.
E essa falta de atenção dos pais ganhou até uma expressão recentemente: parentalidade distraída, que é quando os pais estão fisicamente presentes, mas emocionalmente não, geralmente distraídos com uso de tecnologias. E me fez pensar tanto na série Adolescência, da Netflix, que acho que todo mundo já sabe do que se trata a essa altura (mas que eu acho que tem assunto infinito para a gente debater). Se você ainda não a assistiu, assista. O sucesso estrondoso não é em vão, a série é impecável e levanta pontos importantíssimos para debatermos sobre as crianças e adolescentes, sobre as escolas, sobre redes sociais e sobre nossa responsabilidade compartilhada com toda uma geração que está se formando.
Fiz um vídeo sobre a série falando sobre as minhas percepções (se você não assistiu meu vídeo, recomendo fortemente que assista, seja antes ou depois desse texto). Acho que levantei alguns pontos importantes, mas reconheço que estive muito longe de esgotar, com tantos outros pontos também importantes que acabaram ficando de fora. E trago aqui um dos temas que falei de maneira muito breve e que gostaria de aprofundar melhor. Essa parentalidade distraída, essa distância na conexão, esse sentimento de NÃO SER IMPORTANTE E NÃO SER VISTO que o personagem principal demonstra.
Os pais estavam lá, mas estavam de verdade? No último episódio mostra que eles eram bem intencionados, assim como a maioria das famílias. Mas eles pecam por ignorância. Por ignorarem que precisavam entender mais do mundo do filho, do que se passa nas redes sociais e de que é importantíssimo estreitar as conexões com as crianças e adolescentes. Eles se mostram preocupados, culpados e sem entender o que fizeram de errado. Achavam que, por terem criado o filho sem violência, teria sido suficiente. Não é suficiente, apesar de ser parte importante da equação.
Essa ignorância em entender o que é importante para as crianças e para os adolescentes é onde vejo muita gente pecando. Bateu o medo em muita família porque existe um universo desconhecido. E que muitos estão ocupados demais para aprender sobre isso.
Os cursos que oferecem fórmulas mágicas para crianças entrarem na linha e obedecerem estão cheios de alunos. Sem perceber, os adultos também se deixam levar pelo sensacionalismo valorizado pelo algoritmo, pauta importante da série também. Todo mundo querendo o atalho, poucos buscando criar raízes e fundações sólidas, poucos procurando o que realmente importa para criar filhos felizes e emocionalmente saudáveis. Porque fazer isso dá trabalho e está todo mundo muito ocupado demais para se dedicar tanto aos filhos.
Um dos comentários no meu vídeo me chamou atenção, era algo do tipo: “você pode fazer tudo certo, ler todos os manuais, que nem tudo está no seu controle. Nem tudo é culpa dos pais, então crianças que não comem açúcar e zero telas, quando chegam à adolescência tá todo mundo igual e zerou o jogo, você tem que ensinar tudo de novo. A diferença é que agora eles podem não querer aprender.”
E eu não poderia discordar mais do comentário, que para mim soa como: ah, não adianta separar lixo porque são as empresas grandes que poluem; não adianta arrumar a cama, porque à noite vai bagunçar de novo. Ou seja, se eximir-se da responsabilidade, que nesse caso pode não ser só individual, mas ainda assim existe. Concordo com a parte em que “não temos controle de tudo”, porque isso realmente não temos, inclusive do mundo que está lá fora e que tem todos esses problemas que a série pontua bem.
Mas TEM SIM muito que podemos fazer como pais, não só durante a adolescência mas especialmente muito antes disso. É importantíssimo entender nossa responsabilidade como pais que começa lá no nascimento. Ou talvez antes disso se pensarmos que nossa própria saúde mental pode impactar muito na criação que damos aos nossos filhos.
Não “zera o jogo”, não garante uma adolescência sem sofrimento mas começa a construir alicerces que serão importantíssimos na adolescência. Aliás, não dá para abandonar os cuidados com adolescentes, eles precisam de tanta atenção ou cuidado quanto crianças menores, apenas de maneira diferente e é nosso papel nos adaptarmos a cada fase e aprendermos também a sermos pais e mães.
Se uma criança de 5 anos quer se sentir vista e amada, a adolescente continua precisando, talvez ainda mais disso. Ela quer validação e pertencimento, agora não só da família mas dos pares. E isso COMEÇA na família. E começa na primeira infância.
É na primeira infância que se começa a construir os fundamentos que seguirão por toda a vida, como por exemplo: a construção da autoestima, a valorização das individualidades, o equilíbrio entre liberdade e limites, o uso saudável de telas, a importância da escuta e da comunicação, etc. E talvez a mais importante de todas: a construção do vínculo e da CONEXÃO entre pais e filhos.
Os desafios lá fora sempre existirão, mas alicerces fortes dentro de casa, espaço para diálogo e presença nos permitem navegar pelas dificuldades junto com nossos filhos e ajudá-los a encontrar caminhos. E quanto mais conscientes estivermos e mais interessados no que está passando com eles, em entender cada fase e em escutar, mais chances de sermos um suporte para eles nessa caminhada.
Não dá para esquecer que nossos filhos continuam sendo nossa responsabilidade durante a adolescência e nem que nosso papel na vida deles segue sendo importante, talvez para toda a vida.
INDICAÇÕES RELACIONADAS:
Se você quer ver minhas reflexões sobre a série Adolescência, fiz um vídeo no YouTube:
Já conhece meu curso “O Essencial da Maternidade"? Te ensino os pilares essenciais para você encontrar seu caminho para criar seus filhos com consciência e leveza.
Ahh Morgana, como é gostoso ler uma reflexão como esta!
Mas eu faço aqui um parênteses: os filhos são nossas responsabilidades até na vida adulta, mesmo com vidas independentes, sempre serão nossos bebês e sempre nos preocuparemos com eles.
Você como Londrina deveria pesquisar sobre um projeto da Princesa de Gales chamado Early Childhood, é bem o que você propõe 😉
Mais uma vez agradeço pelos seus posts inspiradores e textos maravilhosos!
Excelente colocação Morgana. É nisso que eu acredito, não podemos terceirizar a educação dos nossos filhos. Percebo que existem pessoas que não querem ter trabalho na criação diária dos filhos. Entretanto, a conta chega! Texto maravilhoso, meus parabéns.